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A penhora do salário no Novo CPC


Mas há uma novidade que, pela quebra de paradigma que significa, merece bastante atenção: a possibilidade de penhora do salário do
executado (no meu entender, essa é uma das melhores modificações trazidas pelo NCPC[2]). É certo que alguns são contrários à novidade, ao argumento de isso significar menor proteção ao executado. Contudo, qualquer um que atua no foro sabe o quão frustrante é uma execução que não tem êxito por força de ausência de bens penhoráveis – especialmente quando existem bens, mas são impenhoráveis. É isso é algo extremamente frequente em nosso cotidiano forense: é o “devo, não nego – e não pago”[3]. Assim, em boa hora a inovação para tentar tornar mais efetivo o processo executivo. Mas não se trata da primeira tentativa nesse caminho. Em 2006 foi aprovada reforma legislativa que alterou o processo de execução (L. 11.382, que modificou o CPC73) e previa: (i) penhora de salário acima de 20 salários mínimos e (ii) penhora de bem de família acima de 1000 salários mínimos. A inovação era ótima mas, infelizmente, foi vetada[4].

Na versão original do NCPC, não havia a previsão de penhora de salário. Na Câmara, a proposta foi inserida quando da relatoria do Deputado Sérgio Barradas – para, a seguir, quando da troca de relatores, ser suprimida. O texto base aprovado pela Câmara, nesse particular, era uma lástima: não previa penhora de salário e não permitia a penhora online a partir de decisão liminar[5]. Felizmente houve alterações no Senado, sendo que a penhora online foi restabelecida e houve a inserção da penhora de salário. Mas o NCPC não coloca o exequente em posição de vantagem em relação ao executado. Busca-se o equilíbrio: de um lado, a proteção ao executado; do outro, a possibilidade de satisfação do crédito do exequente – que, em verdade, apenas com isso é que se tem a efetividade do processo judicial[6].
Nesse sentido, o NCPC repete o sistema anterior e mantem os princípios da efetividade da execução (art. 797) e da menor onerosidade (art. 805). Porém, em relação ao segundo, que busca a proteção do executado, há relevante mudança no Novo Código.

Sem dúvidas deve a execução permitir que se atinja o adimplemento do título executivo (princípio da efetividade ou do resultado). Contudo, isso não pode ser feito a qualquer custo. Assim, o princípio da menor onerosidade visa a proteger o executado contra atos que sejam excessivos para a satisfação do direito do exequente, de modo a evitar que o executado fique em situação muito desfavorável.

Prevê o princípio que, quando por vários meios o exequente puder promover a execução, o juiz mandará que se faça pelo modo menos gravoso para o executado. Inova o parágrafo único do art. 805 do NCPC[7] ao prever uma postura ativa do devedor para que haja a aplicação do princípio: não basta ao executado buscar a aplicação da menor onerosidade, deve ele também indicar alternativas para que a execução prossiga. Importante inovação que busca o equilíbrio entre a defesa do executado e a efetividade da execução, com maior prestígio para esta última. Nesse contexto, tem-se a previsão de penhora de salário no NCPC – novidade que é acompanhada por diversas dúvidas, dado o texto legislativo ter sido econômico. Algumas dessas questões serão enfrentadas nesta breve coluna, sendo muito provável que haverá divergência quanto ao tema na jurisprudência.

1) A previsão legislativa de penhora de salário: NCPC, art. 833, § 2º. O art. 833 do NCPC, repetindo o CPC73, apresenta um rol com diversas impenhorabilidades, ou seja, situações nas quais, por força de lei, a penhora não é permitida. A finalidade é proteger o executado
e a sociedade.
No que é pertinente para esta coluna, destaca-se o seguinte: (i) o inciso IV veda a penhora de salários, remunerações, aposentadorias e pensões, ou seja, vencimentos de uma forma geral, inclusive ganhos de trabalhador autônomo e os honorários de profissional liberal; (ii) o inciso X veda a penhora, até o limite de 40 salários mínimos, da quantia depositada em caderneta de poupança. No âmbito do CPC73, o STJ firmou sua jurisprudência no sentido da vedação de penhora para qualquer aplicação financeira, até esse valor, e não somente para a poupança (REsp 1.230.060, informativo 547/STJ), entendimento que possivelmente prevalecerá no NCPC. Essa, a regra. A exceção está prevista no § 2º. Ainda que se trate de salário (inciso IV) ou reserva pessoal (inciso X), será penhorável essa quantia para (i) pagamento de prestação alimentícia (repetição do CPC73), de qualquer origem – seja de alimentos decorrentes de direito de família, seja decorrente de ato ilícito (novidade quanto ao ato ilícito) e (ii) para valores superiores a 50 salários mínimos mensais, para qualquer outra dívida não alimentar, portanto (novidade do NCPC, como já exposta). Como já mencionado, a penhora de salário é novidade relevante pois quebra o paradigma, no direito processual brasileiro, da total impenhorabilidade do salário. Algum leitor poderia afirmar que o valor – 50 salários mínimos mensais – é exorbitante para a realidade brasileira, sendo que a novidade, portanto, terá pouco efeito prático e que seria irrelevante. De fato, é verdade que o valor é elevado, pois são poucos os devedores que percebem mais de R$ 40 mil mensais[8]. É igualmente verdade que mais adequado para a realidade brasileira um piso em valor menor. Porém, reitere-se: o mais importante é a quebra do dogma de absoluta impenhorabilidade de salário. E isso abre o caminho para que, nas próximas reformas processuais, o valor seja minorado – e, também, para que futuramente seja possível a inserção de penhora de bem de família acima de determinado valor[9]. O primeiro passo, que é por onde toda jornada se inicia, foi dado. Mas, dada a pouca regulamentação do tema no NCPC, e certo que dúvidas surgem e terão de ser respondidas pela jurisprudência. A seguir, apresentamos proposta de solução para algumas dessas questões – as quais, reitere-se, serão objeto de rica polêmica entre credores e devedores.

2) Valor bruto ou líquido?
O § 2º do art. 833 do NCPC apenas menciona a possibilidade de penhora das importâncias excedentes a 50 (cinquenta) salários-mínimos mensais. Essa quantia seria bruta ou líquida?

Considerando (i) o princípio da efetividade da execução, (ii) o princípio da menor onerosidade conforme sua previsão no NCPC (especialmente o p.u. do art. 805), (iii) o fato de o princípio da duração razoável do processo fazer menção também à satisfação (NCPC, art. 4º) e (iv) o elevado valor de piso para a realização da penhora, considerando a realidade brasileira, é de se concluir que o valor para apuração dos 50 salários mínimos é o bruto, ou seja, antes dos descontos legais, como imposto de renda e INSS. Afinal, esses descontos incidem em relação a todos os assalariados, inclusive os que percebem acima de 50 salários mínimos. Portanto, se o legislador tivesse por finalidade o desconto do valor líquido (que seria alguns salários inferior ao bruto de 50 salários), assim teria se manifestado. Da mesma forma, também deve se considerar o valor bruto para fins de penhora, considerando descontos opcionais, como por exemplo previdência privada = que é opção do empregado e reverte em seu favor. Porém, se houver descontos involuntários não decorrentes de lei fiscal e que não tragam benefício ao próprio executado, parece que isso não deve ser considerada para fins de piso para penhora (como exemplo, pagamento de pensão para um filho).

Trata-se de uma primeira proposta de interpretação do tema. Outras análises, por certo, são possíveis. O tema apresenta nuances e, até a pacificação da jurisprudência, seguramente teremos ricos debates quanto ao assunto. 3) 13º e participação nos lucros são considerados para se chegar aos 50 salários? É possível que, com o salário bruto ordinário, não se chegue aos 50 salários. Porém, em determinados meses do ano, com vencimentos
extras, a quantia recebida pelo executado pode ultrapassar esse piso.

Basta imaginar meses em que há pagamento de 13º e/ou PLR (participação nos lucros e resultados). Nesses momentos, talvez a remuneração bruta de alguns executados ultrapasse o limite de 50 salários mínimos; seria, então, possível a penhora de salário? A resposta há de ser positiva. Isso porque a legislação não faz qualquer ressalva ou exclusão quanto a quais vencimento a título de salário. Logo, se não houve restrição por parte da lei, descabe ao intérprete fazê-la. Além disso, reitere-se que com 50 salários é possível, sem dúvidas, uma vida digna, o que corrobora a possibilidade de penhora diante de vencimentos adicionais decorrentes do salário do executado. Estaria resguardado, aqui, o princípio da menor onerosidade.

Novamente, resta verificar qual será o entendimento da jurisprudência. 4) Vencimentos extraordinários são considerados para se chegar aos 50 salários? Além dos recebimentos de valores a título de 13º e PLR (que são previsíveis e ocorrem anualmente), é possível que também ocorram outros vencimentos extraordinários, não previsíveis. Como, por exemplo, um abono salarial. Ou então, pensando em um profissional liberal, um recebimento, em uma única vez, de uma quantia elevada – a titulo de honorários advocatícios (sucumbenciais ou contratuais) ou honorários médicos decorrentes de uma cirurgia de emergência. Nesses casos, como considerar qual quantia seria penhorável? Como tomar por base o piso de 50 salários?
Novamente, há omissão da legislação, que terá de ser colmatada pela jurisprudência.

O executado poderia dizer que, por analogia ao valor da causa da ação de alimentos (12 vezes o valor da pensão – NCPC, art. 292, III), o critério seria levar em consideração o valor da remuneração extra, dividido por 12 meses e, assim, somente seria admissível a penhora se a quantia fosse superior a 50 salários ao longo do ano.
Não me parece um entendimento que mereça prevalecer. Ora, quando o legislador quer tomar por base o período de 12 meses para fixação de determinada quantia, para qualquer critério que seja, assim expressamente se manifesta (como no art. 58, III da L. 8245/91 ou, no NCPC, arts. 85, § 9º e 292, III) Além disso, valem os mesmos argumentos já antes expostos, para concluir pela possibilidade de penhora considerando o valor recebido
em determinado mês específico, ainda que com créditos extraordinários.

Nessa linha de raciocínio, se um profissional buscar receber os seus honorários de forma parcelada (quando possível ou devido o recebimento em 1 única parcela), isso significa burla à regra do art. 833, § 2º do NCPC, o que poderia ensejar atitudes enérgicas do magistrado, tais como penhora da quantia que estiver disponível, aplicação de multa por litigância de má-fé e multa diária por descumprimento de obrigação e outras medidas atípicas[10].

5) Aplica-se a penhora de salário às execuções iniciadas no sistema do CPC73? Para concluir, questão que seguramente será a primeira a ser debatida quando da vigência do NCPC: nas condenações proferidas e nas execuções iniciadas no âmbito do CPC73, será possível a utilização da previsão de penhora de salário? Por certo que sim.

Em relação ao direito intertemporal, a principal regra é a constante do art. 1.046 do NCPC: “Ao entrar em vigor este Código, suas disposições se aplicarão desde logo aos processos pendentes(…)”. Ou seja, a lei nova aplica-se aos processos antigos – desde que, por certo, seja observado o ato jurídico processual perfeito. No caso, se uma execução em trâmite não encontrou bens penhoráveis, o ato jurídico processual perfeito se refere às constrições já realizadas, não em relação àquilo que ainda pode ser realizado – especialmente, claro, se o executado se inserir na situação salarial
que permita a penhora de seus vencimentos.

E será possível a penhora de salário inclusive em relação às execuções que estavam suspensas em virtude da ausência de bens penhoráveis – desde que não tenha sido reconhecida a prescrição intercorrente ou decretada a extinção do processo.

Entender de forma distinta seria não aplicar o NCPC ao processo em curso. Além, claro, de negar o princípio do acesso à justiça, duração razoável e efetividade da execução.

Luiz Dellore – Doutor e Mestre em Direito Processual pela USP. Mestre em Direito Constitucional pela PUC/SP. Professor do Mackenzie, FADISP e EPD,
entre outros cursos. Ex-assessor de Ministro do STJ. Advogado concursado da Caixa Econômica Federal. Membro do IBDP e Diretor do Ceapro.

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